No final de novembro, foi celebrado o Dia do Estatuto da Terra, um marco na luta pela Reforma Agrária e na regulamentação do uso sustentável da terra no Brasil. No Pontal do Paranapanema, região localizada entre os rios Paraná e Paranapanema e área de importante interesse de preservação ambiental, o legado de grilagem de terras públicas e os impactos ambientais continuam a marcar a história do território. Confira a posição Ambiental dos Municípios da região no MarpScore.Org.
A exploração predatória da terra no Pontal, iniciada com a falsificação de escrituras no século dezenove, resultou não apenas em desmatamento, mas na conversão de vastas áreas de Mata Atlântica em monoculturas e pastagens. Dois dos maiores grilos da região, as fazendas Pirapó-Santo Anastácio (583 mil hectares) e Boa Esperança do Aguapeí (872 mil hectares), tiveram suas escrituras fraudulentas denunciadas ainda no governo de Prudente de Morais, em 1890. Apesar disso, essas terras continuaram sendo fracionadas e negociadas ilegalmente, ampliando a destruição ambiental.
Embora o Estado de São Paulo tenha declarado grande parte dessas terras como devolutas – ou seja, pertencentes ao patrimônio público e inalienáveis –, os grileiros seguiram vendendo-as ilegalmente. Mais recentemente, sob o governo de Tarcísio de Freitas, políticas como a aprovação do Projeto de Lei nº 277/2022, que permite a venda de terras griladas com até 90% de desconto para envolvidos na grilagem reiteram esse ciclo de injustiças. Esse processo, chamado de "grilo do grilo", institucionaliza décadas de irregularidades, ignorando a possibilidade de uma redistribuição que democratizara o acesso à terra e beneficiaria milhares de famílias sem-terra.
Além do impacto social, as decisões recentes representam um grave retrocesso ambiental. As políticas que favorecem o agronegócio e a monocultura intensificam o uso insustentável do solo, a contaminação por agrotóxicos e a perda de biodiversidade em áreas que poderiam ser utilizadas para práticas agrícolas mais sustentáveis e respeitosas com o meio ambiente.
Frente a esse retrocesso, a resistência popular tornou-se um símbolo de transformação no Pontal. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), presente na região desde 1990, liderou uma série de ocupações que mudaram a dinâmica territorial. Entre 1988 e 1992, foram realizadas 452 ocupações com 57.487 famílias. Apesar dos despejos violentos e ameaças de jagunços, essas ações pressionaram o Estado a desapropriar terras griladas.
Hoje, o Pontal abriga 117 assentamentos, onde vivem mais de 6.600 famílias em 147.857 hectares, promovendo não só a recuperação de áreas degradadas, mas também o reflorestamento com espécies nativas e práticas de manejo que priorizam a preservação ambiental.
A Reforma Agrária no Pontal não apenas garantiu a segurança alimentar de milhares de famílias, mas também contribuiu para a preservação de ecossistemas sensíveis, como o Parque Estadual do Morro do Diabo, um dos últimos remanescentes significativos de Mata Atlântica no interior paulista. Os assentamentos, organizados em torno da agricultura familiar, promovem a produção de alimentos saudáveis e livres de agrotóxicos, além de reduzir a pressão sobre áreas de conservação e incentivar práticas agroecológicas.
O Dia do Estatuto da Terra, celebrado em novembro, é um lembrete de que a luta por justiça fundiária está intrinsecamente ligada à sustentabilidade e à igualdade social. No Pontal do Paranapanema, a história de grilagem e resistência revela que a democratização do acesso à terra, aliada à valorização da agricultura familiar e ao cuidado com os bens naturais, são os caminhos para transformar um passado de exploração em um futuro mais justo e sustentável.
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